Mensagem do senhor bispo de Beja
Publicada por Correia Duarte | Etiquetas: Do que se diz...e se escreve | Posted On at 03:25
Cimentar a esperança
A doutrina social da Igreja e a crise
1. De 17 a 19 de Junho os bispos portugueses reuniram-se em Fátima, para escutar especialistas da economia, da politica, do mundo do trabalho e da doutrina social da Igreja, para compreender melhor as razões da presente crise económica e social e analisar até que ponto podemos contribuir para ajudar a encaminhar soluções sólidas. Alguns intervenientes desafiaram os participantes, bispos e vigários gerais das dioceses, a serem artífices da esperança do povo português, muito desiludido com os políticos.
Embora sendo muito sensível a esta tarefa, continuo muito perplexo sobre o modo como poderemos ajudar a levantar a esperança e a auto-estima do nosso povo, tendo em conta que a grande maioria já não frequenta as nossas igrejas para nos escutar e os meios de comunicação baralham as nossas ideias com contravalores e contratestemunhos, de modo a dificultar a compreensão das razões da nossa esperança. Apesar disso atrevo-me a continuar a escrever estas breves notas, na expectativa de ajudar alguns leitores e ouvintes.
Tenho estado a aplicar os princípios e os valores da doutrina social da Igreja a diversas situações da nossa sociedade. Já escrevi sobre o destino universal dos bens, o bem comum, a subsidiariedade, o amor (caridade), etc. Falta lembrar um dos princípios, a solidariedade, que muitos confundem com assistencialismo, caridadezinha ou doação do que nos sobra, do supérfluo, mas que é muito mais que isso, embora não o exclua. Por isso é importante apresentar este princípio como um dos pilares da vida social de qualquer sistema politico democrático, sem o qual a democracia é posta em causa.
2. Democracia justa e solidariedade
Qualquer organização social e politica assenta na participação dos seus membros, sobretudo quando se trata de pessoas adultas, dotadas de dignidade e liberdade. No caso da convivência pacífica e coesa das pessoas isso pressupõe uma relação fundamental entre elas e uma atenção especial entre si, sobretudo quando alguém está em situação de debilidade ou sofre alguma fragilidade. É esta atitude de reciprocidade, que torna sólidas, firmes e coesas as relações entre os membros da sociedade. A isto chamamos solidariedade, que pode atingir um grau heróico na caridade, quando se ama o próximo sem esperar retribuição. Mas é do interesse da própria democracia, para que funcione sem grandes perturbações, que ela seja justa, que esteja organizada de modo a não favorecer o domínio dos ricos, dos inteligentes ou dos espertos (espertalhões e corruptos), dos sortudos sobre os mais débeis.
A atitude solidária aprende-se e educa-se, a começar pela família, na escola, nas universidades, nas empresas, nas atividades dos tempos livres, no desporto e nas igrejas e religiões baseadas na fé em Deus e no amor. Todos somos poucos para ajudar a humanidade a enveredar pelos caminhos da sua própria realização pacífica, que não acontecerá sem a orientação da vida dos seus membros de uns para os outros, sem a solidariedade e direi mesmo sem a abertura de todos à transcendência, como afirmou D. José Policarpo, Patriarca emérito de Lisboa, na conferência final das jornadas dos bispos. Uma sociedade de pessoas que vivem para si, em função de si mesmas, não ultrapassará a crise económica e financeira, nem ajudará a recuperar a esperança, uma virtude essencial da vida humana e da vida cristã, entrelaçada na fé e na caridade, que constitui a perfeição da solidariedade e do cristianismo. Estas assim denominadas virtudes teologais aprofundam a nossa relação com Deus, o transcendente e imanente na sua obra prima, e de uns com os outros, pois quem diz que ama a Deus e não ama os irmãos, mente, escreve S. João. Fé, esperança e amor que não se testemunham, que não se apegam, apagam-se, dizia o nosso grande mestre da língua portuguesa padre António Vieira.
E termino esta breve nota, que remata o conjunto de notas sobre os princípios da doutrina social da Igreja, pequeno contributo para ajudar na superação da crise, com o desafio aos leitores e ouvintes: mudemos de mentalidade e de linguagem e perguntemo-nos sobre o que podemos fazer pelos outros e pelo nosso pais, cada um segundo os dons e capacidades que tem, em vez de continuarmos a lamentarmo-nos e a exigir dos outros e do pais aquilo que satisfaça os nossos prazeres e bem estar individual. Contando com a liberdade egoísta de alguns e de algumas classes sociais, se a maioria enveredar por este caminho e esta nova mentalidade, se sairmos à rua a demonstrar pelos outros, pelos marginalizados e mais débeis, fortaleceremos a esperança dos nossos concidadãos, os desempregados, os doentes e os explorados e neutralizaremos os que apenas pensam em si e no seu bem estar.
† António Vitalino, bispo de Beja
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